Excelente jornalista. E desempregado

Editoria: Vininha F. Carvalho 08/04/2005

Há alguns anos, uma colega jornalista, responsável pela comunicação de uma empresa do setor de energia, pediu-me ajuda para selecionar profissionais para o cargo de assessor de um projeto ambiental desta companhia.

Recebemos uma enxurrada de currículos recheados de cursos, especializações, mestrados e até doutorados no campo sócio-ambiental, o que nos evidenciava que os jornalistas interessados nessa área buscavam sempre uma qualificação superior.

Vários estavam desempregados e outros apenas buscavam uma colocação nova. Mas todos possuíam características em comum: não trabalhavam em redação ou haviam saído de uma há muito tempo - ou, ainda, sequer haviam militado em alguma durante toda a sua vida profissional.

Interessante: jornalistas altamente qualificados no assunto meio ambiente, em nível técnico equivalente dos mais gabaritados em áreas tradicionais, como economia e política, estavam fora das redações. Essa constatação se adequava a uma outra verificação empírica.

Conhecidos meus, que há quase 10 anos integram a Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais, em sua maioria trabalhavam fora de veículos de informação. Sem prejuízo de lembrar daqueles que continuam batucando excelentes pautas sócio-ambientais em revistas, jornais, rádios, tevês e, mais recentemente, sites.

E isso acontece em um mercado de trabalho cujo discurso é o enxugamento de quadros, onde em tese sobreviveriam apenas os mais qualificados e profundos conhecedores do assunto abordado.

Eu não imaginava que essa tese meio darwiniana se aplicasse integralmente ao mercado de trabalho para jornalistas brasileiros. Também tenho claro que algo parecido acontece em outras áreas do jornalismo. Há enorme irracionalidade nos cortes e contratações que grassam em nossa profissão.

Mas, daí a constatar que alguns dos mais qualificados e reconhecidos profissionais brasileiros não estavam a cumprir o papel social do jornalista, trabalhar pela difusão ampla da informação equilibrada e justa, para que esta sirva de subsídio ao exercício da cidadania, da democracia e do espírito republicano, vai uma distância abismal.

Há algumas hipóteses que explicam o fenômeno. A que mais se aproxima do que considero correto é a de que o mercado adquiriu conformação tal que vai se desfazendo daqueles profissionais capazes de produzir uma informação tão crítica que colocam em questão a própria lógica da produção da informação nos meios de comunicação de massa

Em outras palavras: os meios de informação vêm se distanciando daquele tipo de instituição jornalística que já não existe, mas que ainda freqüenta o nosso imaginário. Uma empresa que tinha na difusão da informação jornalística e crítica a sua razão de ser e não se limitava ao papel de provedor de entretenimento.

Não imagino que algum dia houvesse existido uma instituição perfeitamente equilibrada e neutra em seus propósitos, que não expressasse o projeto político de determinados setores da sociedade que quase sempre o foram daqueles dominantes. Mas, continuo a achar que as instituições por menos que o façam, sempre espelham o avanço dos valores sociais.

O equilíbrio sócio-ambiental adquiriu tamanho peso que é tão difícil encontrar alguém que se coloque abertamente contra esse tipo de valor social quanto achar uma pessoa que se assuma racista. Valores são construções sociais definidas no tempo e no espaço e as instituições sempre os expressam. seja da forma que for.

Entretanto, essa quase máxima não tem sido verdade quando o assunto é a cobertura sócio-ambiental - creio que a seção de cultura padece de mal equivalente. Ambos, o sócio-ambiental e a cultura, continuam sendo cobertos de forma episódica, descontextualizada, pontual.

Mais confundem pelo excesso de informação do que explicam pelo aprofundamento e uma das principais razões é a falta de gente sensibilizada para esses fenômenos nas redações. Há razões do tipo, digamos, meta-editoriais como a decisão de algumas empresas de informação que defendem certas posições devido a interesses pecuniários ou políticos ou ambos, de forma apaixonada.

Esta é uma forma pessimista de concluir um artigo: tendo a certeza de que o quadro é dramático. Talvez estejamos passando por uma enorme reavaliação do papel e do espaço da imprensa, em todas as áreas e em nível mundial. A ver.

Fonte: Carlos Tautz