A palavra superação define bem a “aventura dos sentidos”

Editoria: Vininha F. Carvalho 07/04/2005

Mochila nas costas, equipamentos checados e um grupo de cinco deficientes visuais partiu, no início de 2004, para descidas de cachoeiras através de rapel e caminhadas nas trilhas com obstáculos na Fazenda Pavuna, em Botucatu, no interior de São Paulo.

A palavra superação define bem a “aventura dos sentidos” vivida pelo grupo de cegos na prática do canyoning – esporte que tem por objetivo a exploração dos leitos do rio. “Foi um encontro com a natureza. Difícil esquecer as sensações de liberdade”, lembra Devanir de Lima. Aos 33 anos de idade ele não se recorda de ter experimentado emoção semelhante e acredita que a experiência o levou, inclusive, a melhorar a sua locomoção no dia-a-dia.

A ousadia de apresentar o esporte aos deficientes partiu do professor de Educação Física, Artur de Carvalho, que expôs o tema em sua dissertação de mestrado “Esportes na Natureza: Estratégias de Ensino do Canionismo para Pessoas com Deficiência Visual”.

No trabalho, apresentado em fevereiro, na Faculdade de Educação Física da Unicamp, Carvalho relata a metodologia desenvolvida para atender esse segmento da sociedade muitas vezes discriminado neste tipo de atividade. Apaixonado por esportes de aventura, o estudante de pós-graduação não mediu esforços para montar um grupo que permitisse comprovar a sua teoria de que é possível superar barreiras. No grupo havia senhora de 50 anos e garoto de 15, todos com o mesmo alvo: diversão e superação de limites.

Durante dois anos e meio de pesquisa com base em várias atividades de campo na estruturação do método, Carvalho realizou uma verdadeira rotina de exercícios físicos e treinamento em locais na região de Campinas, inicialmente com 18 deficientes.

“Fizemos uma descida de rapel na Rodovia dos Bandeirantes em Campinas. Foi emocionante”, afirma o estudante. No treinamento, os voluntários puderam ter noções de segurança e utilizar os equipamentos de forma adequada. Também foi feita uma maquete do cânion da Pavuna – última atividade do grupo dentro da pesquisa onde foi realizada a prática completa do canyoning – para que, através do tato, os deficientes pudessem conhecer o local que seria percorrido em Botucatu.

“Em cada fase do projeto eles tinham a oportunidade de uma vivência tática”, explica o monitor. Depois de realizado o período de treinos, Carvalho selecionou apenas cinco dos voluntários, a partir de critérios específicos, para a aventura “real”.

O percurso:

Todo o trabalho que antecedeu o trajeto em Botucatu foi essencial para que a experiência fosse coroada de sucesso. No período de treinamento, também foi possível desenvolver um bastão guia de bambu com aproximadamente dois metros de comprimento que durante o percurso foi utilizado como uma espécie de corrimão.

“Quando atravessamos o rio, por exemplo, foi importante o bastão para que os cegos pudessem se sentir mais seguros”, explica.

Outra preocupação do grupo de monitores que acompanhou os deficientes foi transportar o mínimo de equipamentos possível para que o peso não atrapalhasse o trajeto. Também era necessário que o equipamento fosse dispensado caso fosse impecilho para a travessia com segurança. Com todas essas precauções, a viagem foi bastante tranqüila.

“Ao todo estávamos em aproximadamente 50 pessoas e não tivemos nenhum tipo de problema”, comemora Carvalho. Ele constatou que os deficientes não se sentem tão inseguros quanto uma pessoa com visão normal na prática desse tipo de aventura. Mas assegura que os cegos tiveram o mesmo tratamento dado às pessoas que praticam o esporte.

“Não houve proteção exagerada para que eles não perdessem o sentido da aventura. Muitos caíam e depois levantavam”, garante.

Depoimentos:

Dificuldades é o que Benedito Franco Leal Filho, de 44 anos, enfrenta diariamente por não enxergar. Com construções arquitetônicas que não privilegiam os deficientes de uma forma geral, Neno, como é conhecido entre os colegas, procurou no esporte uma alternativa para melhorar a sua locomoção e postura diante dos desafios. Ele perdeu a visão aos oito anos de idade, mas nunca desanimou para a vida.

“O grupo mantido pela Unicamp é uma luz no final do túnel para muitos deficientes que sentem as barreiras”, afirma o vice-presidente da Associação Brasileira de Desportos para Cegos. Semanalmente uma equipe da Unicamp desenvolve atividades esportivas com os deficientes visuais e revelou inúmeros talentos. O caso de Neno é um exemplo. Foi bicampeão brasileiro de natação em 1993 e 1995. Em sua opinião, a opção de mais um tipo de atividade esportiva é importante para os deficientes. Ele participou apenas dos treinamentos, mas não pôde comparecer ao trajeto em Botucatu.

“Vivemos um momento em que existem muitos recursos, mas com uma super valorização da visão. Por isso, a iniciativa é muito interessante. Foge do esporte de competição e abre possibilidade de lazer e superação de limites”, acredita.

Devanir de Lima participou de todo trabalho desde o seu início. Fez os treinamentos e esteve no trajeto, em Botucatu. É de Arapongas, no Paraná e está em Campinas desde 1995.

“A aventura mexeu com a galera”, afirma. Para ele, o percurso não foi fácil. “Nos buracos era difícil conseguir o equilíbrio. Em uma das descidas da cachoeira eu fiquei literalmente pendurado”. Mas a emoção para Lima foi muito grande e ele garante que todo grupo saiu feliz e realizado com o trabalho.

O que mais impressionou Lima, no entanto, foi o contato com a natureza. “Ouvir o canto dos pássaros, o barulho da água e as sensações de entrar dentro da água supera toda dificuldade”, lembra. O fato de não estar competindo e sim desfrutando da natureza foi um dos motivos da descontração geral. Ele testemunha que ao sair da aventura a sua vontade de viver foi renovada e ganhou estímulo para enfrentar as situações com garra.

Aventura em vídeo:

A equipe da Rádio e TV Unicamp acompanhou o trabalho desenvolvido por Carvalho. O material está disponível em DVD para os interessados. Em trinta minutos de gravação, o programa traz os deficientes em plena atividade de descer as cachoeiras de cinqüenta metros de altura e mostra depoimentos de cada um dos integrantes do grupo. Nada fugiu às lentes da câmara, que conseguiu flagrar os passeios nas trilhas e as emoções vividas pelos personagens.

Um dos relatos que chama a atenção é de um garoto de 15 anos que, pela primeira vez, tem o contato com o mar. A grade de horários, bem como os contatos podem ser conhecidos do telefone (19)3788-2079.

O projeto foi desenvolvido dentro das atividades do Grupo de Pesquisas e Estudos da Atividade Motora Adaptada (Gepeama) da FEF. Atualmente está em desenvolvimento uma pesquisa sobre Trilhas ecológicas e Arvorismo para adolescentes com Síndrome de Down, sob a responsabilidade da aluna Ana Carolina Oliveira, orientada pelo professor Edison Duarte.

Outras informações pelo telefone 19-3788-6602.

Fonte: Reitoria Unicamp