Decifrando Doha

Editoria: Vininha F. Carvalho 13/02/2013

Antes do início da conferência das Nações Unidas para mudanças climáticas, ocorrida em Doha, em dezembro de 2012, uma série de estudos realizados por organizações respeitáveis (Banco Mundial, PNUMA, Agência Internacional de Energia, etc.) alertava que, mantido o atual grau de ambição no corte das emissões globais de carbono, o mundo estará quatro graus Celsius mais quente ao final do século, ou seja, o dobro do que os governos delinearam como objetivo nas conferências passadas.

Progresso modesto foi o que mais ouvimos em relação a esta conferência climática. Os compromissos globais atuais no corte de emissões mal chegam a 60% do necessário, e Doha falhou em produzir qualquer avanço neste sentido. Isto sugere que o mundo desistiu de limitar o aumento de temperatura em “apenas” dois graus Celsius.

Ficou claro que a falta de engajamento dos chefes de Estado impede qualquer progresso real no tema, tanto que o secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, anunciou que serão organizados encontros de “alto nível” em 2014 para que se feche um novo acordo climático em 2015.

A forma que este acordo terá ainda é incerta, e tudo o que temos no momento é um cronograma sugerido de quando deveremos alcançá-lo.

As negociações acabaram virando um tema acessível apenas aos iniciados na terminologia, ritos e acrônimos utilizados. O palavreado é confuso: poderemos ter um novo protocolo, um outro instrumento legal ou ainda um resultado acordado com força legal.

Mas nem todas as notícias são más. O resultado mais importante de Doha é a tão esperada continuidade do Protocolo de Kyoto até 2020, terminando quando o novo regime global entrar em vigor.

As incertezas sobre um novo período de compromisso colocavam em cheque o comércio de carbono e os mecanismos de mercado criados para estas transações. Ao salvar o Protocolo, uma grande lacuna regulatória foi evitada.

É verdade que os países que se comprometeram com o segundo período de compromisso do referido protocolo representam apenas 15% das emissões globais, o que é um tanto frustrante.

Entretanto, a continuidade permite uma direção regulatória clara para as empresas que operam nestes países, com plataformas e mecanismos já conhecidos.

Talvez, este fato seja um primeiro passo para um real mercado global de carbono. O sistema australiano de compensações de emissão deve se conectar ao sistema Europeu em 2015, e há discussões para inclusão dos mercados da Coreia do Sul e China neste sistema.

Avanços tímidos, sem dúvida. A falta de decisão em aumentar o nível de ambição no corte de emissões significa que a limitação das mudanças climáticas ao nível acordado em Copenhagen em 2009 é praticamente impossível.

A implantação de um novo regime para daqui a sete anos sinaliza que tendemos a deixar o problema para que nossos filhos e netos o resolvam – um legado difícil de explicar após mais de uma década de negociações.



Fonte: Ricardo Zibas é gerente sênior da área de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da KPMG no Brasil.