A assistência ao voo, a gestão do tráfego áereo e a responsabilidade civil

Editoria: Vininha F. Carvalho 20/08/2010

O tema em apreço irá demonstrar a complexidade de um sistema, um sistema que não aceita falhas, puramente envolvido com “fatores humanos”, fatores os quais envolvem pessoas em situação de vida e de trabalho, em interação com máquinas, procedimentos, e ambientes. Esse é o Sistema de Aviação Civil.

Hoje, o Brasil é responsável em administrar um espaço aéreo concernente à 8.511.965 km² e o espaço aéreo sobrejacente à área oceânica perfazendo um total de 22 milhões de km². Nesse espaço aéreo, acontecem simultaneamente voos comerciais, militares, ensaios de voo, treinamento de tiros antiaéreos, entre outros.

Diante disto, nosso país possui o Gerenciamento do Tráfego Aéreo, responsável por demandas até o limite sistêmico dos aeroportos e do espaço aéreo visando voos regulares e eficazes, respeitando as condições meteorológicas reinantes e as limitações operacionais de aeronaves, além da preocupação com tripulantes e passageiros.

Essas garantias são aplicadas e reguladas através de recomendações da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), com a finalidade de manter um padrão e um controle de segurança desejável para a navegação aérea e assegurar a prestação de um serviço eficiente a todas as aeronaves que utilizam o nosso espaço aéreo.

O tema colocado à baila refere-se ao novo regulamento publicado pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) no diário oficial da união em 22 de março de 2010, que visa à redução do número de comissários de acordo com a quantidade de assentos e não mais pelas portas de emergências.

A justificativa utilizada para este novo procedimento fora de que em 2008 a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) solicitou à ANAC a adaptação dos critérios da aviação brasileira para que a mesma fosse adaptada ao modelo dos países membros da Aviação Civil Internacional (Oaci).

O atual dispositivo desconsidera o número mínimo de comissários atrelado ao número de saídas de emergências. Para que a medida possa ser efetivada faz-se necessário teste de evacuação, através de um simulador, devendo o procedimento ser efetuado em 90 segundos, competindo a cada empresa provar que consegue se adaptar as novas regras com a redução de comissários.

Não podemos nos esquecer que testes não são como casos da rotina diária nos quais ocorrem situações não previsíveis aos passageiros como enfarto, desmaios ou pânicos.

A primeira empresa a receber o “benefício” foi a Azul, que no início de suas operações no mercado reivindicou a certificação de suas aeronaves Embraer 190 nas mesmas condições praticadas no exterior. O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) tentou reverter a decisão impetrando um mandado de segurança coletivo questionando a iniciativa da ANAC sobre a redução de um comissário no EMB-190, alegando que tal decisão contrariava a legislação brasileira de segurança de voo, porém, a tentativa foi inócua visto o Poder Judiciário alegar que os argumentos efetuados pela ANAC e da respectiva empresa estavam de acordo com os princípios básicos de segurança de voo.

A segunda empresa foi a TAM Linhas Aéreas, que já recebeu a concessão em caráter experimental, para reduzir a tripulação dos equipamentos A318, A319 e A320, sendo que o equipamento A321 já foi agraciado com a concessão em caráter definitivo.

O Sindicato Nacional dos Aeronautas e vários comissários de voos alegam que a referida medida ocasiona várias restrições como demissão no setor, além de colocar em risco não só a tripulação mas os passageiros, pois o setor conta com comissários na maioria das vezes jovens e sem muita experiência de vida para o enfrentamento de situações críticas, além do acúmulo da jornada de trabalho.

Não podemos nos esquecer que a função dos comissários não é apenas efetuar serviço de bordo ou relações públicas, mas têm como responsabilidade zelar pela segurança de centenas de passageiros a bordo com atenção especial aos passageiros menores de idade desacompanhados, portadores de necessidades especiais ou idosos. Logicamente, a referida redução sem sombra de dúvidas pode desencadear fatores muitas vezes impeditivo para atuação apropriada dos profissionais, principalmente em situações emergencias.

O Brasil é um país signatário de diversas Convenções ou acordos internacionais relacionados a aviação, pressumindo-se que qualquer alteração só deve ocorrer por motivos que realmente evidenciem riscos na operação área e jamais por qualquer demanda comercial. Afinal de contas estamos falando no transporte de pessoas em que a excelência do serviço é primordial.

A questão trazida à baila não expressa parecer contrário ou favorável a referida regulamentação, até porque existem órgãos para sua vigilância e regulamentação, mas o assunto fundamental refere-se à assistência e segurança dos passageiros.

O que não pode ocorrer é a população mais uma vez ficar privada não só de segurança, mas também de eficiência de serviços, pois o contrato de transporte é uma obrigação de resultado, no qual o passageiro ao escolher uma determinada companhia efetua sua escolha observando requisitos como preço, acomodação, horário, ou seja, busca sempre a eficiência do serviço pelo menor custo.

Levando-se em consideração que o transporte aéreo é uma concessão da União, conforme institui o art. 21 inciso XII letra c da Constituição Federal, o mesmo deve ser eficiente, seguro e adequado, colocando não só os tripulantes, mas principalmente os passageiros a salvo de qualquer mazela.

A principal característica do contrato de transporte é a cláusula de incolumidade do passageiro que se encontra implícita.
Compete ao transportador zelar pela integridade física e psíquica do passageiro, após o seu efetivo embarque e durante todo o trajeto contratado.

Que a medida adotada venha a melhorar a qualidade dos serviços, bem como a situação dos comissários trazendo uma maior dignidade em sua profissão, caso o efeito seja contrário compete ao Poder Judiciário dirimir os abusos, pois, desta forma, estaremos resguardando um dos maiores princípios constitucionais: o da dignidade da pessoa humana, entre tripulantes ou passageiros.





Fonte: Gislaine Barbosa de Toledo, advogada, e por Mirella Pedrol Franco, estagiária do escritório Fernando Quércia Advogados Associados.