O BRIC e o binômio da sustentabilidade

Editoria: Vininha F. Carvalho 30/07/2009

Considerando que a busca de alternativas para aumentar a sua influência nas decisões sobre a economia mundial é uma prioridade do BRIC (Brasil, Rússia, China e Índia), foi absolutamente lógico o destaque conferido à segurança alimentar e à oferta energética na pauta da primeira reunião de cúpula desse bloco de emergentes, na cidade russa de Ecaterimburgo, em 16 de junho.

Afinal, não há dúvida quanto ao peso político e diplomático crescente das nações capazes de atender às demandas internacionais de comida e combustíveis limpos, advindos de fontes renováveis.

Na verdade, o Brasil é o país com as melhores condições de assumir a liderança na produção e exportação de produtos agropecuários, incluindo as commodities e os biocombustíveis. Tal circunstância se comprova no fato de que acabamos de receber referendo da mais alta credibilidade: o estudo do Banco Mundial (BIRD) “Desenvolvimento com Menos Carbono — Respostas Latino-americanas ao Desafio das Mudanças Climáticas”.

A pesquisa ratifica que o Brasil possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo (mais de 80% da energia que produz são provenientes de fontes renováveis, como a hidroeletricidade e os biocombustíveis líquidos).

Sugere, ainda, que o País pode compartilhar suas experiências bem-sucedidas de manejo ambiental com outras nações emergentes e em desenvolvimento, especialmente no desenvolvimento de energias renováveis, a produção de etanol de cana-de-açúcar, a administração sustentável das matas tropicais e a gestão de resíduos sólidos.

Embora o relatório não tenha incluído nessa lista de diferenciais as tecnologias de aplicação do etanol, como os automóveis flex, evidencia o reconhecimento da comunidade internacional não só à nossa capacidade de produzir, mas também de inteligência e know how.

Muito relevante, também esse mesmo estudo considerar que o etanol brasileiro de cana-de-açúcar reduz de 70% a 90% as emissões de gases do efeito estufa, em comparação à gasolina. Os biocombustíveis, ainda segundo os dados do BIRD, representam cerca de 6% da energia consumida no setor de transporte da América Latina, com destaque para a produção e consumo de etanol do Brasil.

Fundamental é o reconhecimento, no documento, de que, “ao contrário da produção do etanol de milho em outros países, o produto brasileiro de cana-de-açúcar não contribuiu, em razão do desvio de terras destinadas à produção agrícola, para o aumento do preço das matérias-primas alimentares ocorrido em 2007/2008”.

Todas as condições são favoráveis. Cabe ao Brasil, porém, duas grandes e urgentes lições de casa para que esse imenso potencial possa apresentar resultados práticos imediatos na sua economia e no crescimento de seu PIB.

A primeira delas depende, exclusivamente, dos próprios brasileiros: conter de modo radical o desmatamento, em especial na Amazônia, pois esse problema, além de imensos danos ecológicos para o próprio País e o mundo, acaba comprometendo nossa credibilidade como guardiões da sustentabilidade.

A segunda missão, um tanto mais árdua no plano político, é relativa às negociações para diminuir ou extinguir as tarifas de importação de etanol nos Estados Unidos e outras nações do bloco dos desenvolvidos. O Governo Federal e a diplomacia estão muito passivos nesse embate. Não adianta esperar a ressurreição de Doha.

É preciso partir para acordos bilaterais. O estudo do BIRD é muito claro nessa questão: “Reduzir ou eliminar as elevadas tarifas comerciais e os enormes subsídios proporcionados por muitos países, produziria benefícios econômicos para o Brasil e para os seus parceiros, além de diminuir as emissões de gases do efeito estufa”.

Seria fundamental que, a partir de sua primeira reunião de cúpula na Rússia, as nações do BRIC pudessem atuar diplomaticamente de maneira mais coesa e sinérgica, avançando nas negociações, com norte-americanos e europeus, dos subsídios agrícolas e taxas de importação do etanol.

Ao agirem assim, não estariam beneficiando apenas o Brasil, mas todo o bloco, à medida que a contribuição recíproca poderia implicar a contrapartida brasileira no fornecimento e também na transferência de tecnologia, o que é muito importante.

Assim, nas gestões diplomáticas referentes ao binômio da sustentabilidade — alimentos/combustíveis limpos — poderia viabilizar-se o grande objetivo dos quatro grandes emergentes, de constituição de uma nova ordem mundial mais justa e democrática.



Autoria: João Sampaio, economista, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e o presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CONSEA).



Fonte: Leandro Vieira