O axioma da sobrevivência

Editoria: Vininha F. Carvalho 06/02/2009

O aumento da emissão dos gases causadores do efeito estufa no conjunto dos países signatários do Protocolo de Kyoto, atingindo mais de 6% no Leste e no Centro da Europa, frustra as expectativas quanto à capacidade do acordo de conter ou atenuar as mudanças climáticas.

Os dados, constantes do inventário anual da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), recentemente divulgado, referem-se ao período entre 2000 e 2006, mas são um prenúncio do insucesso no cumprimento das metas de redução previstas para 2012.

Esse documento da agência da ONU balizou as negociações sobre controle de emissão de gases na Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas, realizada de 1 a 12 de dezembro último em Poznam, na Polônia. Sua análise isolada já é muito preocupante. No entanto, cruzando suas informações com as do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), também divulgado recentemente, depara-se com um quadro mais alarmante, que precisa ser enfrentado com maior determinação.

Este último estudo, que evidencia as graves consequências do aumento da emissão dos gases e da queima de biomassa e combustíveis fósseis, alerta que nuvens marrons estão contribuindo para condições climáticas extremas em várias regiões do planeta e para o degelo acelerado do Himalaia.

Tal fenômeno provoca a formação de fuligem e gás carbônico negro. Estes absorvem os raios solares e aumentam a temperatura do ar, por meio do efeito estufa. O mais grave, conforme afirma o PNUMA, é que as nuvens marrons estão afetando a qualidade do ar e a agricultura na Ásia, aumentando os riscos à saúde pública e à produção de alimentos para três bilhões de pessoas. Como se isso não bastasse, esses efeitos também já podem ser observados na Bacia Amazônica, Europa, América do Norte e no Sul da África.

O iminente fracasso do Protocolo de Kyoto, os sintomas cada vez mais acentuados das mudanças climáticas e a ausência de medidas efetivas para reverter o quadro exigem mobilização mais ampla dos governos e da sociedade global. Nesse contexto, há um argumento irrefutável: os biocombustíveis – respeitados todos os alertas dos organismos multilaterais quanto à preservação da cultura de alimentos – precisam ter sua participação ampliada, com urgência, na matriz energética mundial. Seu uso como combustível para veículos automotores, que hoje representa apenas pouco mais de 1% do petróleo utilizado mundialmente, ainda é muito pequeno, considerada a gravidade da situação a ser enfrentada.

O etanol e o biodiesel deverão desempenhar papel relevante no sentido de reduzir a queima mundial de combustíveis fósseis. Uma boa indicação do que isso pode significar em termos globais é o “carbonômetro”, ferramenta criada pela UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar) que mede o montante de emissões de CO2 economizadas no Brasil através, exclusivamente, do uso do etanol em veículos flex desde sua introdução no mercado em 2003. No início de 2008, o total já era de cerca de 45 milhões de toneladas. O Carbonômetro pode ser visualizado no site “Etanol Verde” (www.etanolverde.com.br), criado pela UNICA para dar apoio à campanha publicitária da entidade, no não passado.

A ampliação na produção de biocombustíveis, com o objetivo de expandir o resultado que já verificamos no Brasil, deve, no entanto, concentrar-se em países onde seja possível a convivência, em perfeita harmonia, com a cultura de alimentos. Como se sabe e conforme reconhece a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), O Brasil é a nação com as melhores condições para isso, levando-se em conta a extensão de suas áreas agricultáveis, clima, solo e tecnologia. Portanto, o País e seu agronegócio tornam-se cada vez mais estratégicos para a humanidade, não só no tocante à produção de energia limpa, como também de alimentos.

Essa posição, contudo, implica gigantesca responsabilidade socioambiental para os produtores de biocombustíveis, pois essa atividade precisa ser pautada rigorosamente pela premissa da sustentabilidade. De nada adiantará fornecer energia limpa para o mundo, se a sua produção poluir o ar e o próprio território nacional, além de criar condições prejudiciais às demais culturas.

O Grupo São Martinho, um dos maiores produtores mundiais de açúcar e etanol, já investe há muito tempo em uma série de atividades e ações de preservação e educação ambiental. Dentre elas está o Centro de Educação Ambiental da Usina São Martinho, que disponibiliza informações para estudantes sobre o uso da água, reciclagem de lixo e o plantio de árvores nativas. Estas são produzidas em viveiros de mudas, dos quais já saíram 200 mil espécimes.

A organização também vem investindo em projetos para diminuir o uso da água na produção e reaproveitar resíduos. O bagaço da cana, por exemplo, é processado nas caldeiras para gerar energia elétrica limpa e renovável, enquanto a vinhaça, rica em potássio, e a torta de filtro e fuligem, são utilizados na lavoura como adubo orgânico.

Ante o presumível fracasso das iniciativas multilaterais voltadas à preservação ambiental e à redução dos gases que causam o efeito estufa, cresce muito o significado da ação voluntária dos indivíduos, empresas e da sociedade de cada país. Nessas atitudes, parece delinear-se, cada vez mais, o axioma da sobrevivência.


Autoria : João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro, é vice-presidente da FIESP, presidente do Conselho de Administração do Grupo São Martinho e membro do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo.

Fonte: Leandro Vieira - Viveiros