Lei Geral do Turismo : pequena conquista, grande frustração

Editoria: Vininha F. Carvalho 15/10/2008

Mais um momento histórico. Muita expectativa. E a necessidade clara de mais mobilização e organização. Outro capítulo de algumas daquelas novelas que não deveríamos, mas nos acostumamos a ver. No último dia 17, foi assinada a Lei Geral do Turismo. O setor briga por isso desde 1997, quando o então deputado federal Rubem Medina, atual secretário Municipal de Turismo do Rio de Janeiro, começou a trabalhar nas primeiras proposições. Mas o que deveria ser um marco da profissionalização cada vez maior do setor turístico entrou para a história com aquela sensação "da que foi sem nunca ter sido". A que poderia ser, mas não chegou lá por pouco.

A Lei Geral do Turismo traz conquistas, é verdade. É uma evolução ter legislação que regulamenta uma atividade. Além disso, é um setor que precisa de holofotes e a nova lei os trouxe, já que essa epopéia levou o debate sobre o setor para a Presidência da República e o Congresso Nacional.

No entanto, além de ser questionável criar uma ferramenta que pode engessar uma atividade regida pelas regras de mercado, o resultado deixou frustrados alguns, especialmente os agentes de viagens, que há anos lutam para mudar a questão de sua responsabilidade solidária na venda de produtos turísticos. Ao tentar evitar o que parecia lógico, ganharam os organizados órgãos de defesa do consumidor, com a força do público que consome viagens a seu favor.

O argumento usado foi a comparação com a compra de uma TV: se ela quebrar, o cliente vai reclamar na loja em que comprou. O que ocorre é que a loja manda para o fabricante, que é quem responde pela garantia. Ou seja, a loja é apenas intermediária. No caso do agente de viagens, mesmo que a agência envie a reclamação para o fornecedor, é ela quem responde juridicamente.

Então, como é preciso fazer para que o agente seja apenas o intermediário na negociação, mas não o responsável? Afinal, não é assim que ocorre no caso da loja? Se o argumento vale para um lado, também teria que valer para o outro. Por que penalizar o agente de viagens quando ele não pode ter o controle sobre seus fornecedores, como as companhias aéreas?

O setor precisa se unir para encontrar um meio de resolver isso de forma que atenda as agências e não fragilize o consumidor. De qualquer modo, essa situação deveria ter sido pensada e tinha que estar explicada de maneira clara na Lei.

Talvez o caminho seja o Projeto de Lei 5120-C/2001, que regulamenta a atividade das agências de viagens, uma antiga luta da Abav que, se aprovada, poderá mudar os rumos desse tema na Lei Geral do Turismo. É necessário se organizar, esclarecer. Incansavelmente. Fazer diligências em Brasília ou outras capitais, mostrando o lado das agências de viagens e do próprio consumidor, que muitas vezes fica na mão apenas dessas empresas, em sua maioria de pequeno porte, que não tem condições de arcar com prejuízos gigantescos, como a falência de uma companhia aérea.

Aliás, faz algum sentido uma agência de viagem ser responsabilizada pela quebra de uma companhia aérea junto a seus clientes? Ou por um overbooking? Não deveria, mas alguns acham sentido nisso. Senão a LGT não teria sido aprovada com o veto à questão da responsabilidade solidária.

Por isso, talvez seja necessária não somente uma campanha de mobilização do setor, mas também de esclarecimento da sociedade, mostrando que os próprios clientes podem sair prejudicados na impossibilidade de o agente arcar com tamanhos prejuízos.

É bem diferente, por exemplo, de quando a agência emite um ingresso para um parque temático com a data errada e isso complica a vida do consumidor. Nesse caso, precisa responder judicialmente por isso, afinal, o erro foi na agência. Portanto, é preciso esclarecer as responsabilidades e deixar tudo isso bem explicado na Lei. É preciso se debruçar sobre essa questão agora e mostrar aos formadores de opinião a incoerência da atual decisão.

Mas há mais contradições na LGT. Houve vetos do executivo a sugestões do próprio executivo. O turismo não conseguiu ser alçado à condição de atividade exportadora, o que parece só compor os discursos de autoridades. Como recusar isso a um setor que exporta sem gastar a matéria prima como os demais produtos de exportação, mas que ainda assim obtém um retorno significativo em divisas? Quem seria contra isso? Então estamos fazendo alguma coisa errada, porque foi assim que a Lei foi sancionada.

Enquanto isso, as agências terão de continuar pagando taxas sobre a movimentação bruta e não sua comissão. E mais: São Paulo, que tem o maior parque hoteleiro do país com uma ocupação média superior a 70% e chegando a 100% em momentos como a F1, corre o risco de abater mais de 35% de suas 42 mil unidades habitacionais. Como isso pode acontecer quando o país foi recentemente anunciado como sede de uma Copa do Mundo?

Como insistir na nossa credibilidade? E como o governo vai lidar com isso? Segundo o Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil (Fohb), pela LGT seriam fechados na capital paulista nada menos do que 80 empreendimentos, estruturados sob a forma flat, flat-hotel, hotel-residence, loft, apart-hotel, condo-hotel e similares. Ou seja, menos 14,3 mil apartamentos destinados aos meios de hospedagem. Seriam demitidos mais de 20 mil empregados.

A arrecadação tributária que se perderia seria de quase R$ 150 milhões. Quem acha isso coerente? Claro que ter uma legislação que organiza o setor é uma evolução, mas considerando o que não foi atendido, não pode ser tão boa. Ainda teremos muito trabalho pela frente. Mas é preciso batalhar com inteligência e, acima de tudo, uma mobilização organizada e comprometida, algo infelizmente ainda não tão efetivo no setor turístico brasileiro, por mais que os ministros estejam no caminho certo.


Autoria : Caio Luiz de Carvalho é presidente da São Paulo Turismo (SPTuris), ex-presidente da Embratur e ex-ministro do Esporte e Turismo. Professor da FGV-EAESP e Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Caio Luiz de Carvalho