Fator humano no centro do debate : entrevista com o senador Renato Casagrande

Editoria: Vininha F. Carvalho 26/03/2007

Engenheiro florestal e ex-secretário municipal de Meio Ambiente, o senador Renato Casagrande (PSB-ES) acha que a questão ambiental é uma preocupação também econômica, de sobrevivência do ser humano.

“Só temos condições de preservar o meio ambiente se houver compatibilidade com a qualidade de vida das pessoas”, diz o parlamentar que preside a Subcomissão Permanente de Aquecimento Global da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor,
Fiscalização e Controle (CMA).

Na semana passada, Casagrande foi escolhido relator da Comissão Mista Especial de Aquecimento Global, que reúne senadores e deputados. Ele fala sobre as perspectivas de trabalho dessas comissões e analisa mudanças necessárias para a alteração do atual cenário de aquecimento global.


Entrevista:


1-) Com a instalação da Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas na semana passada, como ficará o trabalho das duas subcomissões instaladas no Senado como o mesmo fim?


- Eu defendo e já conversei com o presidente da outra subcomissão [senador Fernando Collor], e irei falar com o presidente do Senado, Renan Calheiros, e ainda com os presidentes das comissões de Meio Ambiente e de Relações Exteriores que acho fundamental concentrarmos o trabalho em comissão única.

Já propus também ao deputado Eduardo Gomes, que é o presidente da comissão mista, que possa tratar isso com o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, e com os presidentes das subcomissões instaladas naquela Casa.

É mais racional a concentração e a unificação do trabalho, para que possamos aproveitar melhor, inclusive com mais peso político, o tempo dos ministros, técnicos e pesquisadores que estão sendo convidados a prestar esclarecimentos e informações ao Congresso Nacional.

Minha expectativa é de que possamos ir caminhando num processo de desativação das subcomissões para concentrarmos os trabalhos na comissão mista. Mas é lógico que isso depende de cada subcomissão, que têm um trabalho independente. É só uma proposta.


2-)O sr. foi escolhido como relator da comissão mista. Que resultados devem ser esperados desse colegiado?


- A comissão tem como primeiro objetivo manter o debate sobre o aquecimento global presente na sociedade brasileira. O Congresso Nacional funciona como um fórum e um ambiente de repercussão naquilo que faz. Segundo, estaremos acompanhando, cobrando e fiscalizando as ações dos governos: federal, estaduais e municipais, o trabalho de setores produtivos e as ações que têm como objetivo reduzir o desmatamento.

Vamos a alguns estados do Norte, onde o desmatamento é maior, a São Paulo, para debater em audiência pública a questão da poluição industrial, ou seja, teremos de andar um pouco pelo Brasil para que possamos levar a todas as regiões esse debate e a necessidade de aplicação de políticas relacionadas ao tema.


3-) O que é preciso fazer de imediato para retirar o Brasil da quarta posição no ranking mundial de emissão de gases de efeito estufa?


Queremos que o governo reative o Fórum do Aquecimento Global. Em reunião do conselho político da base do governo, eu sugeri ao presidente Lula, que preside o fórum, que pudesse reuni-lo neste momento, porque ele pode ajudar neste debate, até porque Lula é um defensor do biodiesel, que é uma tecnologia que o Brasil domina.

Vamos pedir que o Brasil possa manter sua posição frente aos outros países de responsabilidade compartilhada, já que todos têm que trabalhar para a redução dos gases de efeito estufa, mas de forma diferenciada entre desenvolvidos e em desenvolvimento. E o Brasil precisa cobrar com veemência dos países desenvolvidos a transferência de tecnologia e o fortalecimento dos mecanismos de desenvolvimento limpo, que geram a comercialização dos créditos de carbono, para financiar projetos importantes aqui no Brasil e em outros países em processo de desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, independente de ter responsabilidade com o Protocolo de Kyoto, o Brasil precisa de uma política de redução das emissões, mesmo que nossa responsabilidade não seja tão grande como a dos Estados Unidos, China e países da Europa.


4-) Hoje faltam políticas públicas contundentes na área ambiental?


O Brasil avançou em algumas áreas, como a do biocombustível – já que o país é hoje o mais avançado nessa área, o que significa um diferencial vantajoso. Tem se esforçado para reduzir o desmatamento e tem conseguido resultados, mas o país ainda vive efetivamente esse problema. Precisamos de um grande mutirão, que envolva todos os níveis de governo, com diversos órgãos, de forma articulada, para que o desmatamento chegue a zero, o que é fundamental para todos os ecossistemas, como o cerrado, o Pantanal, a Amazônia, a Mata Atlântica.


5-) Mas como conseguir isso?


Podemos conseguir de algumas maneiras. Se for preciso envolver as Forças Armadas nessa vigilância, que seja feito. Precisamos de estrutura para os órgãos de fiscalização, porque sabemos onde há desmatamento e queimada, já que os satélites hoje conseguem ler até uma mensagem em camiseta. Então, os satélites cobrem o Brasil de ponta a ponta, de período em período.

Há necessidade de se diminuir a corrupção, que ainda é muito forte nessa área da fiscalização. E é importante se debater também um mecanismo de sobrevivência para as pessoas que moram em áreas com percentual de florestas muito grande, como no Amazonas. Além disso, é preciso haver trabalho articulado entre os países da floresta amazônica, nossos vizinhos.

A comissão mista poderá ajudar nesse trabalho de articulação com os demais países para uma ação conjunta no combate ao desmatamento. Outra ação é a legislativa. Temos de preparar nossa legislação, de forma que as empresas e as pessoas possam se adaptar a essa nova cultura do consumo, da eficiência energética, o uso alternativo de energia.

É preciso haver incentivo na área tributária para os setores que estão dando sua contribuição na redução da emissão de gases de efeito estufa e penalizar os que não contribuem. Quem quiser comprar um carro grande, com alta potência, que compre, mas pague imposto alto. É o princípio do poluidor pagador.


6-) Quando o sr. afirma que quem polui tem de pagar, como fica a questão do desenvolvimento econômico com relação ao meio ambiente?


- É possível trabalhar as duas coisas juntas. Não com proteção integral do meio ambiente, porque onde tem o homem tem a destruição ambiental, infelizmente. Mas é possível compatibilizar nossa qualidade de vida, no padrão que exigimos de consumo, com o uso de novas tecnologias. Nesse atual padrão de consumo de energia, não.

No padrão dos americanos, não. E a minha preocupação é que países com populações muito grandes, como China e Índia, caminham para um consumo de padrão americano, mas o planeta não suporta esse gasto de energia. Então o incentivo e o investimento em novas tecnologias de eficiência energética é essencial. Precisamos compreender que, para manter essa cultura de consumo elevado, devemos buscar novos métodos de produção.


7-)O sr. e outros parlamentares sugeriram ao Executivo, por meio de requerimento aprovado na comissão mista, que seja realizada, em 2012, a 3ª Conferência Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio+20. O que se pode esperar dessa conferência?


Seria uma conferência para preparar os países para um novo acordo mundial com relação às emissões de gases de efeito estufa. Quando se anuncia uma conferência mundial, você força os países a se prepararem para o evento, de forma a apresentarem resultados. Isso mobiliza. É salutar vermos os países da Comunidade Européia estabelecer uma redução de 20% dos gases de efeito estufa até 2020, com referência a 1990. É salutar vermos a posição da Inglaterra, de reduzir esses gases em até 60%, até 2050.

Diversos países estão se mobilizando, mas os Estados Unidos não. A China ainda precisa ter consciência coletiva do seu papel nesse novo momento. Então uma conferência mundial obriga e força os países a se prepararem para um novo acordo de metas.

Fonte: Jornal do Senado