Quando as regras do mercado são compreendidas, o sucesso é inevitável

Editoria: Vininha F. Carvalho 03/02/2006

Em apenas cinco anos, comemorados no dia 15 de janeiro, a Gol Linhas Aéreas transformou-se num fenômeno na história da aviação comercial. No mundo, não há nenhum outro caso de uma companhia aérea que tenha conquistado em tão pouco tempo 30% do mercado em que atua.

Na bolsa de valores, tanto na de São Paulo como na de Nova York, as suas ações são recomendadas por especialistas como excelente investimento. Tudo isto num cenário que se tornou hostil para as empresas tradicionais, não apenas no Brasil, mas em quase todo o mundo. Numa era onde "aviação comercial" virou sinônimo de "empresa em crise", o que diferencia a caçula do setor?

Uma reflexão mais profunda coloca em cena algumas respostas para a questão. A primeira delas foi a sábia decisão dos acionistas de se cercarem de experientes profissionais e ouvi-los pra valer. Não houve a empáfia contumaz dos donos do capital de quererem ditar as regras do jogo por conta do tirocínio ou da "intuição vitoriosa".

Neste caso, o papel de Constantino Oliveira Junior [foto] foi fundamental. Herdeiro do grupo Áurea, com vivência no exterior, ele se portou como um estrategista que se cerca de bons generais. Foi um pequeno grupo de experts que teve a responsabilidade de dar as cartas e conceber as regras para a batalha que começou há 5 anos. Este verdadeiro bunker de guerra, ocupado pelos vice-presidentes, são os zeladores do bom senso e da estratégia vitoriosa. Os vice-fundadores são Tarcísio Gargioni (Comercial e Marketing), comandante David Barioni Neto (Operações) e Wilson Ramos (Tecnologia).

A empresa é herdeira de uma geração de brasileiros que passaram boa parte da sua vida dedicada à aviação comercial. No seu quadro funcional, formado hoje por mais de 5 mil colaboradores, encontram-se os melhores nomes que fizeram a história da Vasp e da Transbrasil, principalmente no cock-pit.

Os comandantes têm em média mais de 10 mil horas de vôo e 20 anos de serviço, são verdadeiras águias, o que levou a companhia a colocar na porta das suas aeronaves um adesivo que diz "Time de Águias". A equação pilotos experientes e aviões novos foi acertada. Geralmente, quem começa no mercado faz o contrário. Traz aviões super-usados (são mais baratos) e colocam no manche pilotos novos (mais baratos também) e o risco da operação decola para as nuvens.

Neste ponto, o comandante Barioni, ex-piloto da Vasp, foi muito feliz. Ele conseguiu migrar para a Gol toda uma geração de grandes pilotos da companhia paulista que estavam presos ao caos gerado após a privatização da empresa. Também acertou ao escolher um avião que teve a sua história ligada ao mercado brasileiro, o 737. Foi a experiência da Vasp, pioneira na operação desta aeronave em 1969, que levou a Boeing a melhorar os primeiros modelos criando os 737-200 Super Advanced.

Com a crise da Transbrasil e da Vasp, a Gol virou a alternativa de vôo para uma geração de renomados comandantes. O mesmo ocorreu com a Manutenção, que absorveu seus engenheiros e técnicos.

Um dos maiores méritos da Gol foi a construção da sua imagem e sua agressividade comercial inicial. Neste ponto, Tarcísio Gargioni [foto] teve um papel fundamental. Ao decidir por uma frota inicial de, no mínimo, seis aeronaves, criou uma densidade de tráfego e de rotas capaz de gerar massa crítica. Os efeitos foram multiplicados geometricamente.

O próprio Tarcísio revela o crescimento da companhia em uma observação: "Até 19 aeronaves eu tinha na cabeça todas as rotas e conhecia boa parte dos tripulantes pelo nome... Hoje é impossível. São 1.200 comissários, mais de 300 pilotos e 300 co-pilotos. E temos 430 vôos diários operados por 43 aeronaves".

O aniversário da Gol está sendo comemorado com o avanço em uma nova fronteira, os vôos para o Mercosul. Em menos de 15 dias a empresa começou a operar em Montevidéu (Uruguai), Assunção (Paraguai) e mais dois destinos na Argentina. Além de Buenos Aires, a empresa passou a voar para Rosário e Córdoba. A companhia voa ainda para Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, totalizando seis destinos internacionais.

Gargioni define o sucesso da empresa em três palavras: simplicidade, modernidade e paixão. São verdadeiros mantras que a empresa procura seguir de forma religiosa. "A simplicidade pode ser exemplificada na frota unificada em um só modelo, o 737. A modernidade, na introdução tecnológica de tudo o que há de melhor no mundo da web, na abolição da burocracia, papel e modelos de gestão eficiente. A companhia possui apenas três níveis de comando: o presidente, os diretores com a gerências e a linha de execução. O último ingrediente é a paixão. Procuramos motivar os nossos funcionários de forma real, promovendo a distribuição de lucros, o que resultou no ano passado em quatro salários extras para todos, re-editando o que ocorreu em 2003. Queremos ser uma empresa feliz", afirma o vice-presidente da Gol.

A empresa espera chegar em 2010 com uma frota de 86 aeronaves e para 2006 já deverá operar com 54. Mas pode superar esta marca e antecipar o aumento da sua participação no mercado. Em 2005 a empresa fechou com a Boeing a compra de 101 aeronaves 737-800, consideradas da next-generation, que transportam mais e gastam menos que um 737-300. Em julho chega a primeira e a entrega de um avião por mês deverá ocorrer até 2012.

A busca de eficiência e produtividade levou a empresa a ter a maior utilização de frota do mundo. Em média, cada unidade voa 14,3 horas por dia, contra 9 ou 10 horas/dia da média mundial.

A operação das aeronaves é otimizada com um tempo de solo mínimo. A média é de 24 minutos. O recorde foi em Santa Catarina quando um avião embarcou e desembarcou passageiros em apenas sete minutos. A cada oito a dez minutos que se ganha no solo resulta no final do dia em um ganho de 100 minutos. Ou seja, a cada 9 dias a empresa ganha um dia extra de operação. A eliminação das galleries levou a empresa a ganhar mais de 12 lugares por vôo. A cada 10 vôos a empresa ganha um 737 em capacidade adicional da frota. Só isso acrescenta um total de 43 aeronaves, o equivalente em assentos a quatro novos 737.

A Gol foi concebida inicialmente para ser uma empresa doméstica, operar no Brasil com um máximo de 10 aeronaves e com uma participação de 8% do mercado. Nenhuma previsão, por mais otimista que fosse, projetaria em cinco anos uma companhia com 30% do mercado, 43 aeronaves e começando a voar para toda a América do Sul.

A soma disso tudo é tão inquestionável que servirá de modelo para a criação de uma empresa co-irmã no México, associado a grupo local.

Ao completar cinco anos, a companhia virou um case mundial de sucesso, num mercado atordoado por notícias ruins. É um caso raro de reunir as pessoas, as ferramentas e a filosofia certa, na hora exata. Tudo isso no Brasil e no momento em que a concorrência vergava sob o peso de uma exposição histórica aos mandos e desmandos do poder concedente. Já a Gol, sem este peso extra nas costas, pode decolar e se transformar em um exemplo de sucesso no mercado brasileiro.

A empresa demonstra que o mercado doméstico do país, apesar de representar apenas 1,5% do mercado mundial (contra 48% dos Estados Unidos), é capaz de sustentar as suas companhias, desde que o poder concedente, leia-se Governo Federal, não interfira e estabeleça regras que não atrapalhem um planejamento a médio e longo prazo.

A Gol é uma empresa sadia em um mercado enfermo. O Governo Federal tem uma responsabilidade que não pode reeditar, como, por exemplo, o surgimento de uma empresa regular. Caso da Webjet, que foi autorizada a operar com apenas uma aeronave.

O bom desempenho da Gol reflete as regras de mercado, que devem prevalecer sempre. Se o Governo Federal, agora com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), mantiver o mercado sadio, a empresa poderá comemorar os próximos aniversários com um sucesso igual. E as demais empresas que estão no mercado poderão respirar e aliviar o peso herdado de um passado, tudo em nome de Sua Excelência, o Passageiro e o seu sagrado bolso.



Por Cláudio Magnavita* É presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo, membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do Jornal de Turismo.

Fonte: Cláudio Magnavita