Um mergulho profundo nas águas

Editoria: Vininha F. Carvalho 11/07/2005

A preocupação com a situação das águas, que em alguns países se tornou nacional, está longe de ter no Brasil a dimensão necessária e merecida.

Os rios vão se transformando em esgoto, vão desaparecendo física e simbolicamente, vão perdendo o sentido e o significado. Toda uma sociedade parece voltar as costas para seus rios. Toda uma sociedade não conhece mais o que é um rio, pois se depara cada vez mais com um simulacro, um fluxo ainda, mas não mais de vida, de história, de lazer, de cultura, de alimento.

Que sociedade é esta, que abandona seus rios, suas águas? Que povo é este, que se habituou com a perda de valores antes tão centrais? Que cidadania é esta que espera soluções desde cima, de governos, de empresas, de ONGs, sempre de um outro? De onde vêm e para onde vão tanta tolerância, tanta indiferença e tanta impotência, mesmo dos que tem um sentimento-vontade de ação?

Mobilizar estas pessoas, entidades e administradores, e todo aquele que venha a se sentir motivado, para a recuperação destas águas é ato de cidadania nesse novo milênio.

Recuperação não apenas no sentido mais corriqueiro do discurso ecológico já institucionalizado. Recuperar os rios para as pessoas, devolver a elas o que já é seu, já é nosso, Se as águas não forem dos que vivemos com ela, dos que nelas mergulhamos de cabeça e de coração, não haverá jeito de toda esta situação ser revertida.

Trazer os rios para o foco das atenções da sociedade é objetivo de cidadãos por todo o país. Integrá-los, ampliar seu número e seu alcance, é objetivo de um trabalho que alguns destes mesmos cidadãos se propõem a realizar. Tecer os fios de uma rede que já existe potencialmente, acreditando na capacidade que esta rede terá no estabelecimento de uma nova cultura referente às águas e na reedição multiplicadora desta idéia.

As soluções, ou antes, os problemas, só a cidadania preocupada será capaz de levantar. Só esta cidadania, se afetivamente indignada, poderá assegurar o fim do desleixo e do abandono dos rios. O mergulho, a que convidaremos muitos e a que intimaremos alguns, quer na volta trazer à tona sentimentos que estão guardados, valores que permanecem no íntimo.

Nós cidadãos integrantes do Movimento de Cidadania pelas Águas propomos este trabalho acreditando na presença, ainda que fragmentada, de vários outros como nós em cada beira de riacho, nas vizinhanças de represas, nas escolas e universidades, nas pequenas roças e nas grandes fazendas, nas ONGs e nos órgãos governamentais. Acreditamos no encontro de idéias entre estes tantos como nós numa situação diferente da tradicional, em que se queira ouvir tanto quanto falar, aprender tanto quanto ensinar, mais trocar do que impor.

Conhecemos, por outro lado, a situação de impossibilidade das instituições estatais. Mas, para além disto, não entendemos o Estado como um pai-provedor. Nosso conceito de cidadania transcende a idéia do pagador de impostos aguardando as soluções do governo. Há questões que o governo não tem como resolver e que não são, ou não deveriam ser, de sua alçada solucionar. Agimos no propósito de modificar a relação – tradicional e ineficaz – entre a sociedade e o estado.

Temos compromisso com os resultados. Procuramos traçar metas claras, objetivas e factíveis. Nossa utopia e nossa fé querem se materializar em fatos e realizações.

Acreditamos no encontro produtivo entre o compromisso profissional e o trabalho voluntário no mesmo caminho. O que importa é à vontade de caminhar.

Por tudo isto, apostamos no relacionamento recíproco entre as idéias de rede e de mobilização social

Descentralização e autonomia são conceitos chave para o trabalho que propomos, portanto a estrutura que pretendemos atingir só pode ser uma rede de reeditores da mobilização social pela consciência em relação às águas.



Autoria: Luiz Carlos Baeta Neves é Coordenador Nacional do Movimento de Cidadania pelas Águas