Água, o ouro azul

Editoria: Vininha F. Carvalho 08/07/2005

Já vivemos um período crítico de racionamento de energia por causa dos baixos níveis dos reservatórios das usinas. A campanha do governo destacou apenas a economia de energia, quando deveria ser também ressaltada a economia de água. Afinal, é a água que, principalmente, gera energia no Brasil. Não adianta nada apagar a luz e deixar a torneira aberta.

É preciso ter uma relação equilibrada com a água, da mesma forma que passamos a ter com a energia elétrica. A sociedade deve lutar pelas águas da mesma forma que um trabalhador reivindica salários e condições sociais mais justas. Tudo isso é uma questão de educação, o tema deve ser discutidos em todos os níveis da sociedade, por pessoas de todas as idades visando um ideal coletivo de uso racional da água.

A água é um recurso natural finito, e sua quantidade per capita diminui a cada dia com o crescimento da população mundial e da degradação dos mananciais.

Os estoques mundiais de água formam um volume de 1,5 bilhão de Km3, a verdade é que cerca de 97,5% desse total são constituídos de água salgada.

Restam,portanto, 2,5% que ainda incluem os gelos polares.Onde, 70% da superfície terrestre é coberta por água, em sua maioria, oceânica, em torno de 97%; cabendo 3% a cota total de água doce, fundamental à vida de todos os seres da biosfera.

Deste total de água doce, 79% concentram-se nas regiões polares, logo, inacessível. Somente 1% dela pode ser facilmente acessada na superfície. Os 20% restantes podem ser encontrados em regiões subterrâneas, nos aqüíferos.O Brasil detêm as maiores reservas mundiais de água doce, com 8% do total de toda água doce do planeta.

A ONU reconhecendo a importância da conscientização do que a água representa elaborou um documento intitulado “Declaração Universal dos Direitos da Água”, que traz recomendações como: a água é a seiva de nosso planeta.

Ela é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura; e também: os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados.

Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia. Apenas esses pontos mostram a dimensão da tarefa de equilibrar nosso modelo de desenvolvimento, de modo que possamos garantir a satisfação de nossas necessidades sem desabastecer os que virão, sem falar em todas as outras espécies do planeta. É o chamado desenvolvimento sustentável.

Alerta,ainda,através de um relatório divulgado em Viena pela Agência Internacional de Energia Atômica, que em menos de 25 anos, cerca de 5 bilhões de pessoas estarão morando em áreas onde será difícil ou impossível atender à demanda de água fresca, estabelecendo-se "uma crise que deve atingir quase dois terços da população da terra.

As estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que mais 70% dos esgotos gerados nas cidades não dispõem de um sistema de coleta e tratamento. E o mesmo acontece em relação ao lixo domiciliar, que em 40% dos municípios é deposto a céu aberto, levando à contaminação do solo e de corpos d´água, e à proliferação de doenças.

Dados do Ministério da Saúde demonstram que de 80% a 90% das internações hospitalares no Brasil são decorrentes de doenças transmitidas por água contaminada. Cada R$ 1 aplicado em saneamento básico representa cerca de R$ 4 ou R$ 5 economizados em saúde.

Sendo a água um bem público, é preciso que o país crie mecanismos de eqüidade quanto ao acesso ao recurso. A tendência atual é a de que os excluídos sociais tenham menos condições de obter água de boa qualidade.
N
o Fórum Social Mundial, do qual participaram 12,274 mil delegados de 4,909 mil organizações, a temática da água se fez presente com força. Os milhares de participantes tiveram a oportunidade de conhecer os impasses sobre privatização dos serviços de água na Bolívia e a os desdobramentos na Argentina, e também no Brasil, onde o assunto foi tratado em 2001 com os debates envolvendo o PL 4147.

O Eixo 2 do evento debateu a “Água Bem Comum”, e resultou numa série de documentos com propostas para uma gestão mais eqüitativa dos recursos hídricos. O Fórum Preparatório à Rio+10, organizado pelo governo do Rio Grande do Sul e que antecedeu ao FSM, também discutiu o tema água em vários de seus painéis.

No Brasil, a legislação nunca tratou a água como parte fundamental de ecossistemas. O Decreto Federal nº 24.643, de 10 de julho de 1934, instituindo o Código de Águas, seguiu a tradição portuguesa de reservar áreas de servidão pública junto a rios e lagoas, mas valorizou nas águas seu caráter de meio de transporte e seu potencial gerador de energia elétrica.

Mais recentemente, a Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, criando a Política Nacional de Recursos Hídricos, atribuiu grande ênfase à água como mercadoria, divorciando-a de fatores com os quais ela constitui ecossistemas.

Esta lei expressa a preocupação mundial com a escassez progressiva da água como bem de consumo, mas descura o caráter fundamental das águas continentais como integrantes de ecossistemas.

Outra questão que promete grandes debates no país é a medida tomada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos que decidiu cobrar pelo uso da água da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, que abrange São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Aproximadamente, 13 milhões de pessoas consomem a água do Paraíba do Sul e de seus afluentes: 8 milhões na região metropolitana do Rio e 5 milhões em 175 municípios de São Paulo, Rio e Minas Gerais localizados nas margens ou nas imediações do rio.A bacia do rio, juntamente com as dos rios São Francisco e Paraná, é uma das três mais importantes do país.

No relatório sobre desenvolvimento humano produzido pela ONU informa que a poluição no Paraíba do Sul é tanta que já foram encontrados peixes com deformações provocadas por substâncias tóxicas.O consumo dos peixes do Paraíba do Sul representa perigo para a vida humana. Por dia, são jogados no rio, praticamente sem tratamento, 1 bilhão de litros de esgoto sanitário e sete toneladas de rejeitos industriais.

O comitê para integração da bacia propôs a cobrança de até R$ 0,02 por metro cúbico, para investir na reversão da degradação do rio. A solicitação foi apresentada ao CNRH pelo Ceivap - Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul que, em dezembro de 2001, aprovou a implantação da cobrança pela utilização dos recursos hídricos e a criação da Agência de Águas da Bacia.

A autorização para cobrança do consumo de água do Rio Paraíba do Sul inclui, além das companhias de saneamento, indústrias usuárias das águas do rio que também estão sujeitas ao pagamento, o que não incidirá sobre os consumidores residenciais. A medida poderá ser aplicada futuramente às bacias dos Rio São Francisco e Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

A Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), que congrega os órgãos ambientais em nível estadual no país, está em sintonia com essa questão, e vem trabalhando conjuntamente para encontrar as melhores formas de se garantir o desenvolvimento do país com a preservação dos recursos hídricos e da qualidade de vida da população.

Por meio de intercâmbios, de projetos e parcerias, a entidade vem promovendo a capacitação técnica de recursos humanos, a aplicação de melhores tecnologias e o aprimoramentos de pesquisas na área ambiental em todo o Brasil.

Desde o fim de 2001, por exemplo, a Abema vem desenvolvendo uma parceria com Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) e Opas, no sentido de se trabalhar um calendário nacional conjunto em torno da Semana Interamericana da Água. Tudo isso tendo como referência o Rio Grande do Sul, onde esse processo já ocorre há oito anos, com uma programação que atinge a maioria das cidades do Estado.

Algumas ações vêm sendo tomadas para se evitar o déficit maior de água, nos reservatórios brasileiros. Como exemplo, Maria Tereza de Pádua Jorge, presidente da Funatura e membro da RNPUC, cita como uma ação para se evitar um déficit maior de água, a revitalização do rio São Francisco, que corta todo sertão nordestino, com o reflorestamento das nascentes dos tributários, além da aplicação de recursos pelas empresas do setor energético na preservação das unidades de conservação .

Segundo Miguel Milano, diretor da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, "se queremos água em quantidade e qualidade, se queremos proteger a rica biodiversidade do País e se queremos desenvolver o ecoturismo, precisamos ter uma política séria e eficiente de proteção das áreas naturais que ainda nos restam".

Para Samuel Barreto, do WWF-Brasil, "o problema se agrava com o desenvolvimento desordenado das cidades, com a ocupação de áreas de mananciais; precariedade do saneamento; poluição, desperdício e uso desequilibrado dos recursos hídricos, sendo 60% da água para irrigação, 20% para consumo industrial e 20% para consumo doméstico".

“Podemos estar com a água até o pescoço e morrendo de sede”,pondera outro participante do debate, o deputado federal Antônio Carlos de Mendes Thame, ex-secretário Estadual de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras de São Paulo. Ele aponta o crescimento populacional como um dos fatores, que conduz o Brasil para uma crise sem precedentes, cujos primeiros sinais foram sentidos no passado.

A população brasileira cresceu 90% nos últimos 30 anos (de 90 para 170 milhões de pessoas), "mas a quantidade de água doce produzida pelo ciclo hidrológico é exatamente a mesma, é um recurso finito", diz.

“Não há nenhuma perspectiva de termos uma solução, que nos dê tranqüilidade para a questão da água, senão adotarmos as medidas adotadas em outros países com sucesso”.

Para ele, é preciso investir em saneamento, aumentar a participação de todos os setores envolvidos nas decisões e aprovar leis de cobrança do uso da água.

O grupo HSBC, uma das maiores corporações financeiras internacionais, iniciou uma parceria de 50 milhões de dólares com três organizações ambientalistas para apoiar projetos ao redor do mundo.

No Brasil, o HSBC vai investiu 5 milhões de dólares no programa de Conservação e Gestão de Água Doce que o WWF-Brasil desenvolveu.Além de trabalhar com a rede WWF, o HSBC também vai apoiar as pesquisas de campo do Botanic Gardens Conservation International (BGCI) e da Earthwatch. Em termos globais, a iniciativa do HSBC, que se chama"Investindo na Natureza", tem os seguintes objetivos:

· Despoluir 3 dos maiores rios do mundo, beneficiando 50 milhões de pessoas;
· Ajudar a salvar da extinção 20 mil espécies raras de plantas;
· Treinar 200 cientistas e enviar 2 mil voluntários do quadro de funcionários do HSBC para trabalhar em pesquisas de conservação da natureza ao redor do mundo.
A meta do WWF-Brasil é promover uma nova forma de gestão de água doce. Entre as atividades previstas no Programa do WWF-Brasil estão a implementação de modelos de manejo de bacias hidrográficas e o apoio aos Comitês de Bacias que contem com a participação da sociedade. Outra ação prevista é o lançamento de uma campanha com o objetivo de conscientizar e envolver a população nas decisões sobre o uso da água. Haverá
ainda ações de educação ambiental junto às comunidades ribeirinhas em bacias hidrográficas prioritárias.

Pelos motivos apresentados e muitos mais que ainda poderíamos citar, a água deve ser considerada como o ouro azul, sendo a mais importante commodity ambiental, merecendo o nosso respeito e maiores pesquisas e ações para sua conservação.




Autoria: Vininha F.Carvalho-jornalista, economista e administradora de empresas.

Fonte: Vininha F.Carvalho