Morosidade do Judiciário já ultrapassou as fronteiras nacionais

Editoria: Vininha F. Carvalho 08/07/2005

A morosidade do Sistema Jurídico brasileiro já ultrapassou as fronteiras nacionais e é vista pela comunidade internacional como entrave ao desenvolvimento econômico e aos investimentos diretos (em produção) no país.

O assunto foi objeto de recente reportagem publicada no site do jornal britânico “Financial Times”. Também foi tema dos encontros que o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Nelson Jobim, acaba de manter em Nova York e Washington, onde visitou a Suprema Corte dos Estados Unidos.

Para Jobim, a Reforma do Judiciário, que demorou 13 anos para ser concluída, e a futura Reforma Processual deverão dar ao nosso Judiciário a tão necessária celeridade.

Um dos fatores que provocam a morosidade de nosso Judiciário é a falta de tradição para julgar questões coletivas. No Brasil, em função da forte tradição do processo interindividual, os juízes se sentem mais confortáveis em julgar centenas ou milhares de ações individuais iguais. Infelizmente as ações coletivas não são prioridades.

Quando determinados servidores públicos têm direito a um mesmo reajuste ou diferença de vencimentos em situações absolutamente iguais, uma única ação coletiva poderia eliminar o contencioso que demandaria milhares de processos individuais, tramitando em todas as instâncias do Judiciário.

Mas os próprios juízes têm resistência a esse tipo de solução. Há dois meses, um Tribunal de São Paulo indeferiu recurso apresentado por uma associação numa ação coletiva em que se postulava a majoração da pensão de centenas de pensionistas do valor que seria devido aos falecidos.

O motivo: sob a alegação de que a associação não teria feito prova nos autos, de que as pensionistas eram mesmo pensionistas, nem tampouco de que os falecidos,instituidores da pensão - eram beneficiários do direito previdenciário que originou a própria pensão que recebiam.

Ora, se na ação coletiva você tiver que fazer prova de todas as situações individuais, então não é coletiva. A ação dessa natureza pressupõe, por si só, uma decisão de caráter genérico, proferida a partir de determinados parâmetros fáticos, comuns a uma dada coletividade, amparados pelo mesmo fundamento jurídico.

Se o interessado ostentar aquela situação será beneficiado. Do contrário, não. O que deverá acontecer nesse caso? Centenas de ações individuais iguais deverão ajudar a atolar ainda mais o Judiciário, que poderia ter adotado solução a partir de um único julgamento, sem entrar em qualquer particularidade individual.

Atualmente, o volume de ações coletivas perfaz 1% do total dos processos judiciais do escritório. Porém, alcançam 50 mil pessoas, ou seja, cinco vezes mais do que toda a clientela. Muitas vezes, o próprio Poder Judiciário desprestigia essa adequada via de solução de litígios em massa, causando desconfiança por parte dos advogados, que acabam optando por apresentar pedidos individuais ou em grupo (o chamado litisconsórcio).

Outro caso que exemplifica bem a falta de conhecimento acerca do alcance das ações civis coletivas. Centenas de servidores de um determinado órgão da Administração Pública de São Paulo não receberam o reajuste a que teriam direito porque um juiz entendeu que a associação da qual faziam parte não podia ajuizar ação coletiva, mas apenas para defender direito paisagístico ou urbanístico.

Esse raciocínio é um absurdo. Quando a Constituição Federal de 1988 autorizou as associações a substituir ou representar seus associados, propondo ações coletivas, o fez obviamente visando a proteção dos direitos profissionais da própria classe.

Não nos direitos difusos e coletivos já referidos na Lei da Ação Civil Pública. Considerando que um recurso contra essa decisão poderia levar de 3 a 5 anos para ser julgado, é preferível então postular individualmente idêntico direito.

Enquanto o próprio Poder Judiciário brasileiro não prestigiar o uso das ações coletivas, como forma mais adequada de solução de conflitos de massa, não conseguirá equacionar seu déficit de processos a níveis toleráveis de tempo.

A criação da Súmula Vinculante na reforma do Judiciário – num mesmo tipo de ação, os tribunais de níveis inferiores devem adotar o entendimento do STF – não é suficiente para dar celeridade ao Sistema Jurídico brasileiro, já que decisões como as dos exemplos citados jamais poderiam ser evitadas por meio de Súmula Vinculante.

A própria reforma processual, que acabaria com as inúmeras possibilidades de recursos para cada ação, é vista com descrença pelo especialista, principalmente porque a maioria dos processos emperrados no Judiciário são contra a União, Estados e municípios.

Ainda que os recursos fossem eliminados e o Poder Público acabasse condenado mais rapidamente, de nada adiantaria aos credores, já que não conseguem receber efetivamente seus direitos.

Para que servem os precatórios, senão para postergar indefinidamente o pagamento das dívidas a esses credores? Enquanto não se viabilizar o pagamento dos precatórios, é pura ilusão acreditar que menos recursos processuais na área pública vão agilizar o cumprimento dessas condenações.

Segundo um promotor de Justiça de São Paulo, o passivo jurídico do governo (União, Estados e município) é praticamente igual à dívida pública do Brasil, ou seja, cerca de R$ 836 bilhões.

Serve como um alento à preocupação dos organismos internacionais com uma Reforma do Judiciário inócua em relação aos problemas cruciais da Justiça, já que o governo do Brasil não pode cair no descrédito de manter um sistema jurídico "para inglês ver".

Autoria: Marco Antonio Innocenti-*É sócio e advogado da Innocenti Advogados Associados, professor assistente de Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)


Fonte: Ex-Libris